Sênior de 2 anos
Texto revisado pela minha irmã Thamiris. Valeu pela revisão incrível! ❤️ ❤️ ❤️ ❤️
De vez em quando este assunto aparece na minha timeline do Twitter, e mesmo sabendo que muito já foi discutido, eu gostaria de deixar meus dois centavos aqui.
Depois de ler diversos argumentos e diferentes perspectivas, cheguei a conclusão que existe uma vontade coletiva de definir um sênior que funcione para qualquer contexto, enquanto este, na verdade, está mais atrelado a realidade e expectativa de cada empresa e claro, de cada pessoa.
Em 2008, XHTML, jQuery e AJAX estavam começando aqui no Brasil, e ter uma nota boa e o logo do W3C validator era um grande diferencial. O Internet Explorer 6 era o navegador mais usado do momento e foi neste período que entrei no meu primeiro emprego em programação (meus deuses, 12 anos atrás) em uma pequena consultoria que fazia sites e intranets para algumas empresas do setor privado.
O salário não era alto, mas era uma empresa que contratava gente sem experiência crendo somente em seu potencial. Lembro que a minha primeira semana foi para ler o livro “Use a cabeça” (Head First) e aprender AJAX, HTML e CSS. Em modéstia parte, aprendi bem rápido até e já estava ajudando o líder de um projeto a fazer um website moderno (moderno para época 🤣).
Primeiro emprego gerou amizades que duram até hoje, bjs Esmere 🤣
E para minha surpresa, o líder tinha cometido diversos erros.
Na minha imaturidade, os pré-julgamentos na minha cabeça começaram: “nossa, como que o líder de projeto pôde errar isso?”, “será que ele é bom mesmo?”, “estou corrigindo vários erros dele e ele ganha mais que eu, isso é justo?”.
Eu só enxergava os erros do meu líder e onde eu estava fazendo melhor, o que eu não estava vendo eram as outras atividades e as coisas em que ele estava acertando, quantas horas ele estava trabalhando por dia, o quão motivado ele estava com a empresa, o quão confortável ele estava com a mudança de prática de desenvolvimento e que ele nunca teve oportunidade de ficar uma semana estudando igual eu. Não quero pintar uma imagem que toda líder de projeto é um heroína sagrada, mas tenho uma certa sensação que quanto mais imaturo nós somos, menos compreensíveis e mais “juíz” nos tornamos.
Depois de 1 ano trabalhando naquela pequena consultoria, eu já tinha dominado a maioria das práticas e ferramentas que a empresa usava. Me sentia muito injustiçado com algumas más decisões da gerência e o exagero de horas extras que às vezes nós tínhamos que realizar. A gota d’água foi quando, por um pequeno erro que cometi, o líder da empresa passou vergonha com o cliente. No momento da raiva, ele descontou a frustração nos funcionários.
Olha que ironia: eu julgava o meu antigo líder de projeto por pequenos erros cometidos, e agora estava me sentindo injustiçado por ter minha competência julgada por um erro.
Não fui compreensível e, naquele momento, a empresa perdeu-me. Não sai imediatamente, somente alguns meses depois do ocorrido eu pedi as contas. Normalmente, uma empresa não perde o funcionário no dia em que ele pede demissão, e sim há muito tempo atrás.
Não preciso nem dizer, né? Naquela época eu já me sentia um sênior. Meu ego estava inflado, não só porque eu mandava bem tecnicamente, como também estudava em uma faculdade considerada difícil; e meus professores não ajudavam muito a desmanchar a minha egomania ao reforçar esse mérito.
Meu próximo passo foi trabalhar em um estágio com meu professor de programação e redes que eu admirava muito. Foi bom para aprender como meu conhecimento era superficial sobre rede de computadores, mas meu cérebro dizia: “seu foco é programação, é lá que você é bom”. Novamente, em cerca de 1 ano, eu já tinha “dominado” o código fonte da intranet e fazendo “melhorias” que ninguém compreendia. Com o rei na barriga e movido pelo fato do produto nunca ir para frente, decidi trabalhar novamente em consultoria em uma empresa de Java e Delphi.
Porém, o emprego novo era uma espécie de armadilha. O projeto estava atrasado, o produto, era de certa forma, imoral, o líder de projeto ausente e apagando incêndio em outros projetos, trabalhar de final de semana era a norma e a suíte de desenvolvimento raramente compilava. Existiam diversos arquivos XML dos quais eu não sabia para que servia, e quando falhava no servidor de código, era enviado um e-mail para todos para te envergonhar.
Entretanto, mesmo em meio a todo esse caos, consegui terminar as minhas tarefas. O líder de projeto veio avaliar o resultado e me perguntou se eu tinha testado. Eu ainda crente que era um ótimo desenvolvedor, e sendo totalmente ingênuo, eu respondi que sim e abri o browser para mostrar como eu tinha testado. O líder ficou com uma expressão de interrogação e então ele sacou: Eu não sabia de coisas das quais eu não sabia que tinha que saber.
E então começou o grande banho de humildade; “testes automatizados”, “SOLID”, “KISS”, “YAGNI”. Quase 3 anos de experiência na área e nunca tinha ouvido falar dessas coisas. Meu deus, eu me considerava especial, acima da média, um gênio mal incompreendido.
Depois do chá de realidade, o trilho da síndrome do impostor estava pronto.
As aulas da faculdade não pareciam mais condizer com a realidade. Era uma turma de despreparados? Todos teriam que beber esse amargo chá em algum momento igual a mim?
Enquanto isso no trabalho, com o ambiente desfavorável para aprendizados, tendo um ferramental complexo em JAVA e possuindo o sentimento de impostor, estava tudo contribuindo para o estresse e desgaste. Dessa vez, eu não estava dominando o ferramental da empresa. O líder do projeto, gerentes e outros desenvolvedores estavam todos pulando fora da empresa e, aproveitando a onda, eu sai fora também. O novo gerente tentou me fazer ficar com uma ameaça: “O mundo do desenvolvimento é pequeno, se você sair agora e se depender de mim, não sei se você vai conseguir emprego nessa área novamente”.
Fiquei puto. Não deixei isso me intimidar e vazei rindo de nervoso.
Os meses seguintes foram de poupar dinheiro ao máximo e aprender tudo aquilo que não consegui no trabalho. Eu tinha que aprender a configurar aquele XMLzão todo do JAVA, tinha que aprender a escrever testes automatizados e se eu não conseguisse, talvez devesse desistir de ser programador. Tinha virado uma questão de “honra”.
Enquanto isso, eu pregava para o pessoal da faculdade que ainda tinha muita, mas muita coisa para se aprender sobre desenvolvimento; aquilo ali na faculdade era só a ponta do iceberg.
Os meses continuaram e eu não encontrei um novo emprego e nem estágio. Será que a maldição do meu antigo gerente tinha dado certo? Mas pelo menos agora, eu conseguia configurar um Spring e, mais ou menos, rodar uma suíte de teste. Quando as esperanças eram poucas, consegui avançar bem em duas vagas de estágio. Uma para uma consultoria internacional e outra para uma pequena consultoria mobile. Por algum motivo, eu me simpatizei mais com a pequena consultoria e aceitei a vaga.
Somando os prós e contras, aquela empresa foi um excelente lugar para se trabalhar. Quase todo mundo lá tinha feito ou estava fazendo uma faculdade considerada melhor que a minha, mas não havia arrogância neles. Eram desenvolvedores muito mais conectados com a realidade e sinceros. Foi aliviador ouvir eles desabafarem que aquele XMLzão do Java era uma “bosta”. Bosta no sentido de complicado demais para fazer coisas simples, deusmilivreseñor.
A equipe tinha uma grande união, colaboração, amizade e parceria. Apesar dos momentos ruins e projetos amaldiçoados, ela me fez lembrar daquela primeira empresa e que, o mais importante de tudo, era que as pessoas que estão a sua volta é que contam.
Uma outra empresa que marcou época, amizades que duram até hoje!
Depois de 1 ano trabalhando lá, conheci o Ruby on Rails, e aí já viu.
Toda aquela suíte feita sobre convenção em vez de configuração. Um ferramental conciso e poderoso que promovia e facilitava práticas como TDD. Era uma sensação de que se alguém está fora disso, está errado.
Era muito fácil confundir a qualidade do ferramental com a qualidade do pessoal que desenvolve nele, uma armadilha para o ego de muita gente. Quem conhece os rubistas de 2012 até 2015, sabem bem do que estou falando: O perigo do ego. E não me excluo totalmente desse grupo mas, tendo caído no meu ego do passado, dessa vez estava mais cuidadoso.
Não demorou muito para tentar um emprego novo, dessa vez em uma das melhores, se não a melhor, consultoria de Ruby on Rails do Brasil na época. Fiquei imensamente feliz, mas ao invés do ego inflar como havia acontecido antes, eu pensava: “eu realmente mereço estar ali?”. A síndrome do impostor atacava muitas vezes, e se não tivesse alguém apoiando meu posicionamento, dificilmente tentaria me defender sozinho. Lá haviam pessoas muito boas, que tinham orgulho do que faziam e, às vezes, o orgulho era confundido com arrogância.
Às vezes, era só arrogância mesmo 🤣.
A empresa foi crescendo e amadurecendo e eu acompanhei o processo. Para uma empresa que era profundamente técnica, ela começou a crescer e os mesmos valores foram movidos também para o comportamental, a famosa “soft skills”. Vários treinamentos, bate papos, estruturações, até nossas discussões com clientes externos e internos mudaram: tudo ficou mais mais saudável e construtivo. As abordagens mudaram muito, evoluindo de “deixe-me mostrar o caminho certo” para “vamos construir juntos um bom caminho para nós”. Às vezes, precisamos ceder e às vezes, precisamos impor limites.
Durante 5 anos trabalhando naquela empresa, pude ver desenvolvedoras e desenvolvedores que eram plenos e seniores em outras empresas se juntando como aprendizes, o cargo inicial. Uma espécie de júnior, mas que por nós era chamado de aprendiz.
A consultoria era bastante exigente e tínhamos uma lista de tudo que um pleno deveria demonstrar. E quase ninguém do mercado se encaixava. Apesar de algumas pessoas não demonstrarem na entrevista, mas após alguns meses eram promovidas para o cargo de pleno. Algumas pessoas recusaram a oferta, mesmo às vezes ganhando mais que em seus atuais empregos da época; afinal, elas eram sênior, como elas iriam aceitar uma vaga para se tornarem aprendizes? E fica aí, a batalha do ego.
Entrevistando candidatos para a vaga, tive a oportunidade de entrevistar uma pessoas para ser lead de desenvolvimento em um dos nossos clientes externos. A pessoa tinha 30 anos de experiência na área de computação. Sim, a experiência dela na época era maior que a a idade que eu tinha. A entrevista foi ótima, a pessoa esbanjou conhecimento de uma maneira bem amigável, clara e humilde. Pensei, “esse é, literalmente, um desenvolvedor sênior”.
Durante todos esses anos eu me senti sênior, pleno, júnior, e cocô, diversas vezes.
Me sentia sênior quando dominava um conhecimento do ferramental da empresa. Me sentia junior quando encarava um mundo de habilidades e contextos diferentes. Eu luto constantemente para não deixar mais a proficiência em uma certa habilidade e contexto me inflar ao ponto de desmerecer outras pessoas ou assumir uma posição que ainda não estou capacitado. Ao mesmo tempo, a luta de não deixar a síndrome do impostor prevalecer continua, fazendo você ficar imóvel diante das oportunidades. Tentando colocar na sua cabeça que você não merece suas conquistas, já que no mundo sempre tem alguém melhor naquilo que você faz de melhor
Eu estava procurando vagas de emprego recentemente, e no lugar de ficar muito preso ao título que a vaga me traria, foquei mais nas descrições das habilidades exigidas para o cargo e o que eu realmente gostaria de fazer. Apliquei em várias, passei em uma que gostei, com um bom salário e não, não tem sênior no nome. Nem na anterior tinha, nem na anterior da anterior, e por mim está tudo bem assim. Mas sei que também não é a realidade de muita gente, já que o nome sênior traz respeito e credibilidade para pessoas que sofrem preconceitos quanto a cor da pele, sexo, e genero.
Mais uma empresa que deixou amizades marcantes e onde aprendi ser uma pessoa mais consciente
Enfim, vou assumir a perigosa posição de dar conselhos e dicas para outras pessoas. Então, vamos lá!
Experientes também cometem erros. Quando nós estamos começando, aprendemos alguns dogmas de boas práticas, principalmente técnicas. Colocamos grande foco nisso e ficamos muito bons em diversos aspectos. Se alguém em uma posição de maior poder que nós não atende o nosso perfeccionismo, começamos a julgar a pessoa como alguém que não é tão bom assim. Cuidado com essa armadilha! Todo mundo tem seus pontos fortes e fracos e, às vezes, é o contexto quem faz um mal profissional. Tente racionalizar, quais são as outras responsabilidades daquela pessoa? Por que será que ela não está dando a devida atenção a esses detalhes?
Às vezes, o contexto te limita. Faculdade, empregos e ferramentas são todos passageiros. Pode ser que agora você esteja totalmente apaixonado, aproveite! Mas não deixe isso te limitar. Se em algum momento você estiver infeliz, procure algo novo.
Com quantos anos se faz um sênior? Tente não se prender ao status do seu emprego ou título de vaga, foque mais na descrição. Eu sei, muitas vezes o termo sênior vem junto com um bom salário, mas lembre-se: empresas são diferentes, o sênior de uma pode ser o júnior de outra com um salário razoavelmente bom enquanto sua capacidade de evoluir pode ser muito maior.
Salário. Trabalhei com pessoas com poucos anos de experiência, outras com décadas. No Brasil, normalmente aquela com mais senioridade ganha 2 ou 3 vezes mais que aquelas com menos. No exterior, principalmente na Europa, a diferença entre desenvolvedores é menor, mas se comparar com o desenvolvedor norte-americanos, temos uma diferença gigante novamente. Às vezes é difícil lidar com a informação do fulano que está ganhando x euros na Europa, enquanto você no Brasil, com o dobro de experiência, está ganhando nem um terço do valor convertido em reais. Enfim, contextos e culturas diferentes. Entretanto, se quiser uma fórmula mágica, aqui vai: para cada X anos de experiência, você deveria estar ganhando R$ X mil reais. Ou seja, com 9 anos de experiência nas costas? Você já deveria estar ganhando pelo menos uns 9 mil reais. E com 30 anos de experiência, você deveria ganhar pelo menos uns R$ 30 mil. Esse é o correto que acontece? Não. Menti sobre a fórmula ser mágica ou real. Principalmente com essa inflação.
Com grandes poderes vêm grandes… Por fim, se você tiver o título de sênior ou liderança, ou estiver em uma empresa de enorme prestígio na sua comunidade, tenha orgulho da sua trajetória e resultados, mas tenha cuidado para não deixar isso incendiar uma egomania desmerecendo outras pessoas com posição de poder menor. Lembre: Você pode ser uma alavanca ou uma âncora na vida das pessoas.
Acho que esse texto ficou grande demais, mas isso aqui foi uma auto-reflexão sobre esse assunto e achei que outras pessoas poderiam achar interessante ou útil. Se você achou legal e tiver outras dicas para compartilhar, deixe aqui os seus comentários.
Abraços!